06 outubro 2009

Movimento Portal Alternativo



31 DE OUTUBRO, EM NAZARÉ DA MATA (no parque dos lanceiros) AS 16:00h

ônibus grátis saindo de Goiana na praça joão pessoa (em frente da caixa econômica) 16:00h

parque dos lanceiros
16:00h exposição de artes
17:00h maracatu mirim
17:50h poetas [silêncio interrompido]
18:00h balé pernambuco sim senhor
18:50h poetas [silêncio interrompido]
19:00h coco da celpe
19:50h poetas [silêncio interrompido]
20:00h H.C canavial e homens de barro
21:10h poetas [silêncio interrompido]
21:20h rubros e tuvos
22:30h poetas [silêncio interrompido]
22:40h rek:d´helfos:immortal force
23:50h poetas [silêncio interrompido]
00:00h prima orbe
00:50h poetas [silêncio interrompido]
01:00h insano
01:40h cabeças podres

mais informações no [ http://mpalternativo.blogspot.com ]

04 outubro 2009

CANDEIA

É como um barco sem leme
Sopro sem pluma
Saudade sem cais
Lavrar o coração sem sol
E sentir o gosto salobre da água

Engendrar a ferrugem na veia
E ver o passeio estático das pontes
Varrer a poeira lunar
No cedo do ser revelar
Que pode um coração-afluente
Mirar outra paisagem
Serenadamente nua
Candeia

E assim derradeira
Nascerá mais bela e inteira
Doce e natural
Uma canção inexata
Cor de areia
Láctea chuva temporal
Inundando em mim

E assim
Toda estrada será a rota altaneira
Do há de vir do bem do Tao
E a fronteira final
Miragem
E um tom Sol
Claridade
E o tão só
Miragem

De: luiz Duarte / esso Guimarães

CHÃ DE CAMARÁ

Metafisicismo é palavra fugaz
Mas é incandescente é real
Se é proferida na boca amolada
Na boca certeira
De um menestrel

É poeira no vento
É vento na poeira
É o mesmo elemento nagô
Na cor da cordilheira
Da África moura
Na asa da cria
Da criação

Evocação do Quanta que há
Evocação do Quanta na raiz
Da voz do sertão que é mar
Que é ilha do ser
Enquanto sólido

Afora o “ismo” e a métrica
Afora a física concreta
Fica o caos divino
A nos soprar canções de Andaluz
De terras que eu não sei
Se um dia terei no olhar

Embora um azul teimasse em acenar
Sem eira nem beira
Foi lá em Chã de Camará que eu vi
A foz da aquamarina
Sagração do ser
Enquanto cósmico

(letra e música: luizinho Luarte / Esso Guimarães)

Ao modo de Bergson

As vezes eu quero a inércia das pedras
E apenas a terra como imã
Desejo o estado das ostras submersas
Que tem o mar
Quero os confins sobre as águas
E o ar
Quero sentir que mora em mim
Um rio um braço de mar
Um remador interestelar
Um beija-flor
Uma asa-delta
Aberta Sobre o arpoador
Que em pleno vôo
Congela

(letra e música: luizinho duarte / esso guimarães)

01 outubro 2009

Suely S. Araújo e Coletânea "cem poetas sem livros"




SOBRE A ANTOLOGIA CEM POETAS SEM LIVROS
por André Cervinskis


Chegou às mãos uma iniciativa muito interessante que gostaria de comentar aqui no INTERPOÉTICA. É a respeito da antologia CEM POETAS SEM LIVROS, organizada por Cristiano Jerônimo, do Movimento LÍTERA – Movimento pela Edição, Divulgação/distribuição e Consumo dos Livros Pernambucanos, com apoio do Instituto Maximiano Campos (IMC), lançado recentemente.

Não que a iniciativa seja inédita; várias outras antologias contemplaram autores iniciantes, jovens ou não. Numa época de efervescência literária em nosso estado, quando o advento das novas tecnologias (informática) permitiu aos autores lançarem seus livros por selos independentes, através de pequenas tiragens (gráficas rápidas) ou fabricarem livros caseiros, além de divulgarem em blogs ou sites suas produções, essa antologia segue a tendência mais que atual de democratização das letras; isso em relação à divulgação (autores inéditos) e ao acesso, por ter uma quota para distribuição nas bibliotecas públicas ou por conta dos preços acessíveis ao público.

A antologia, como um todo, é uma colcha de retalhos; acham-se nela bons e maus poetas, autores que são revelação e noutros que deveriam seguir outros caminhos, como a prosa ou a ensaística, por exemplo.

O formato dos poemas é livre e branca, em sua maioria. Não há um só soneto ou outra forma de métrica tradicional. A temática é variada, indo desde temas amorosos aos mais triviais, com versos criativos: qualquer amor qualquer/ tipo assim um amor platônico/ ou carnal carnaval carnacaos/ um amor tipo assim love/ um tipo assim amor Xerox/ sexy/ jontex/ um amor tipo assim/ fastfood/ Hollywood/ um amor tipo assim/ típico/ ou atípico/ apático/ ou atávico (Sob o amor, Eugênio Jerônimo).

Noutros poemas, o erotismo aparece de forma explícita, mas não vulgar ou recheada de lugares-comuns. Nesse sentido, é interessante lermos alguns trechos: a moça mostrou as coxas/ mas não mostrou a concha/ - a moça me mostrou a verdade - / só não mostrava a passagem./ a moça era um misto de sim e de não/ à beira da sinfonia do vai-e-vem/ - sem ir nem vir -/ a moça me deixou na mão. (Na mão, Leonardo Santana); Cama de incesto, cesto, susto/ Cama de busto/ Cama de corpos separados/ (...) Cama que suporta lento/ que agüenta tempo/ que ostenta tudo/ que sustenta nada (Camada, Rômulo Alves).

Há autores também que escrevem versos como se estivessem na escola primária; poemas sem lirismo, repletos de clichês: Sou frágil, mas sou azul como Carlos Pena Filho;/ Sou frágil, mas inesquecível como o velho Capiba;/ sou frágil, mas sou forte como Che ou Sandino;/ sou frágil, mas pernambucano como Chico em sua vida. (Sono, Guma); em meu nascer-das-idéias brotam serenos sonhos;/ Serenamente amanheço.../ Vem sereno.../ amanhece comigo./ Vem que em teu nome eu respondo por mim. (Sereno, Giselle Aguiar); Deixa-me dizer que te amo,/ Ainda que não seja verdade./ mas se você não deixar/ continuo a recitar este poema a outro. (Sinismo, Jonatas Castro).

Há também autores que pensam ainda estarem no século XIX, seguindo estilo parnasiano: Embriaguei-me no êxtase das ondas/ e deixei-me flutuar no farfalhar das brumas do inconsciente./ O sol deixou-me dissonante,/ enquanto garças sobrevoavam e devoravam meu fígado/ Por inúmeras eras, mas eu como um titã me regenerava. (Prometeu, Marcos Moura).

Há na antologia, porém, gratas surpresas. Uma delas é Suely Araújo, com seu erotismo desbragado, com claras palavras, mas de um ritmo e figuras de linguagem impressionante, seguindo o curso da prosa poética: Coma-me pelos meus pés, pelos meus anos, pelos meus pêlos e por meus enganos. (...) coma-me pelos lençóis entre sua form. Enquanto lhe permito provocar meu próprio grito, apenas coma-me. (...) Mastigue o meu punho, minhas veias azuladas, meus ossos, minhas almofadas, meus ouvidos, meu carpete, meu absorvente, meu cotonete./ O sal da minha pele doce, o mel que lhe revele (...) Devore meu tesão, minha carne, minha história. Mastigue o meu corpo e engula a minha memória. (Coma-me, Suely Araújo). Adélia Coelho, revelação nos saraus da cidade, como no projeto NÓS PÓS, abre magistralmente o livro, evocando a solidão com versos de fortes metáforas e imagens poéticas: Minha solidão se prolonga/ por todas as folhas desta casa/ Abre-se em cada grão de dia/ onde permaneço deitada/ em busca de sonho.../ (...) Minha solidão é alta,/ é morna, é líquida.../ Jorro seus versos em água pela sala.../ Rastro de sal. Rastro de sal./ Resto de sol. Resto de sol./ Minha solidão é ereta, é firme/ mas é sim impiedosa, cruel;/ por ora tem gosto e tom amargos (De sal e sol, solidão, Adélia Coelho).

Recomendo, sim, a leitura dessa antologia, principalmente para quem deseja traçar um perfil mais consistente da poesia contemporânea em Pernambuco, especialmente, mas não só, dos poetas mais jovens.

ANDRÉ CERVINSKIS é escritor, ensaísta e Mestrando em Lingüística – PROLING-UFPB
acervinskis@yahoo.com

Ensaio retirado do site da INTERPOÉTICA [ http://www.interpoetica.com.br ]

Download: Vidal de Sousa e NO EXTREMO NORTE DA MATA

COLETÂNEA POESIA 2009: NO EXTREMO NORTE DA MATA


http://www.4shared.com/dir/18482424/4c899173/sharing.html

VIDAL DE SOUSA


http://www.4shared.com/dir/18482424/4c899173/sharing.html



O Silêncio Interrompido Continua publicando poetas, ultimas publicações são de: Vidal de Sousa (A CONTROVÉRSIA DA DIVERGÊNCIA), é um dos idealizadores e produtores do Movimento Silêncio Interrompido; e o outro livreto NO EXTREMO NORTE DA MATA, é uma coletânea de poetas da cidade de Goiana. a diagramação dos dois livretos ficam por conta de Vidal. façam o Download e montem os livretos.

LINK: http://www.4shared.com/dir/18482424/4c899173/sharing.html

“Fração”

Um sexto de absurdo
Dois sextos de loucura,
A vida é fracionária,
Múltipla, divisiva e obscura.

Ademauro Coutinho

[...]

Não forneceram nenhuma palavra, ficou-se o silêncio.
Tudo era olhares voltados para o chão, expressões não expressas
O debruçar do suicídio em palanques repletos de alguma coisa,
Que por mais que tentasse se formar, sempre acabava numa
Abstração diferente da outra.
Absurdos e negações a cada passo o confrontar.
Reuniões de coisas sem sentido para tentar entender
Tudo aquilo que não foi dito
Cerimônias em relevos de secura
Amordaçamento alheio, penumbra.

Aluizio Fidelis

Despertar da morte

Sufocava em seu livre despertar
Despertava para não mais retornar
A condução era longa, o caminho estreito,
O tempo curto, tão curto que não ouve reação.
Os ossos trincaram, a mente não resistiu e ouviu
O chamado, um grito distante e estranho de
Se escutar.
Era a morte com seu lindo rosto e seu olhar
Que encantava e o guardava entre o seu ventre
No aperto quente e subliminar.

Aluizio Fidelis

Dragar

Dragarei a vida, como um sopro morto que sai da minha boca já lacrada
Por outras guerras travadas e sem o alcance de qualquer sucesso.
Reunirei todas as forcas do universo, em pro da minha própria seita.
Focarei, obstinarei o possível e o impossível para concluir minha missão na terra.
Recrutarei soldados com fome de almas, de almas encarnadas, de crianças
Ressuscitadas pelo ódio de quem as ressuscitou.
Destruirei o mau, os maus pensamentos que aqui ainda persiste em existir.
Devastarei as crias malditas que estão por vir, devastarei a mim mesmo.

Aluizio Fidelis

Os treze

Eu, monstro de ausência.
Criança petulante.
Guerrilheiro de uma seita fúnebre.
Andarilho das pernas amputadas.
Mágico das mágicas não executadas.
Ator do teatro da farsa.
Portador das chagas da vida.
Colhedor das vastas misérias.
Invocador dos mais profundos e remotos sentimentos.
Intruso no cenário do amor.
Ser supérfluo e cheio de ambições materiais.
Cria de um outro alguém, ninguém.
Pequeno instrumento de guerra, a serviço do pro genitor.

Aluizio Fidelis

Abstrato

Sou o grito que ninguém gritou
O soar das doze trombetas
A ressurreição daqueles que não foram e vivem a vagar
Sou ele, aquele que ninguém ouviu falar
O que enviou fé através da dor e sofrimento alheio
Sou o vento frio que traz calafrio e revive pensamentos
Que nunca foram esquecidos
Sou Judas, sou Abraão, sou aquele que o renegou três vezes,
O desconhecido, o inconfundível,
A sombra de um feto em formação, a escuridão,
O que vaga a procura de sangue novo
O que não deixa suas vítimas escapar,
O impiedoso, o abstrato,
Aquele cujo o nome não pode ser pronunciado.

Aluizio Fidelis

REINO

Memória extensa ao alcance de tudo que se perturba e deplora
Antro de discórdia, cubículo de chão escavucado e imundo
Restos em retalhos, faces do passado, expressão de tormentos
Vividos entre labirintos e intimidades.
Enclausuramento, abstrações da mente, mundo desconhecido
Invisível aos olhos e pensamentos.
Cria o próprio ninho de refúgio.

Aluizio Fidelis

Antes do mesmo

Cada passo de uma vez
Não se pode ir, mas irei.
Irei em busca do que não sei.
Caminharei por lugares
Onde o desconhecido habita
E faz jus ao seu nome.
Cenário da contradição
Traz consigo uma vasta ilusão
Triada para despertar
Tudo aquilo que está arquivado
Em minha memória.
Lembranças, fleches, alucinações,
Labirinto estreito repleto de aparições
Aonde revejo tudo
Até o passar do presente, do futuro.
Até o teatro que em outra hora tive que atuar,
O mesmo que tinha uma passarela
Que caminhei há uns séculos atrás.
O mesmo teatro que presencio
O horror de vida ausente distorcida.
Ressentimentos e mágoas abismais,
Submerso e em traze
Desperto e percebo
Que tudo isso não passou
De um sonho confuso que sonhei
Antes de dormir.

Estagnado, perturbado e cansado.
Tento refletir
Mas não consigo, e, novamente
Começo a divergir para um mundo
Aonde não conheço nada,
Só marcas registradas
De que aqui ninguém passou.
E desencontro tudo
Como uma profecia escrita
Por um velho senhor em seu leito de morte.
Retorno ao ponto de saída
E relembro que não houve partida.
No estresse pós-traumático
Esqueço e durmo
Mas os problemas apenas começaram.
Os pesadelos vêm para enlouquecer-me,
Atormentar, levar minh’alma a outro lugar
Distante, aonde sou o mais fraco
Dos seres.

Aluizio Fidelis

Introduzir-se

Viestes a mim como filho bastardo
Chegastes igual a um mendigo
Recolhendo os trapos de um outro alguém que aqui passou
Contastes histórias mirabolantes e cabulosas
Que não convenceram aquém a tu contou
Mistificastes árvores, seres, pensamentos e saberes
Destes o lado avesso do entender
Criastes mundos paralelos repletos de utopias
Rebatestes teorias
Usurpastes o direito de todos compreenderem
Falastes pelos cotovelos em som de sinfonia
Ao mesmo tempo em que perguntavas respondias.
Qual o teu objetivo no meio destas pessoas frias
Cujo o propósito é ver teu desespero e agonia?

Aluizio Fidelis

Cotidiano

Acorda
Corre, pára.
Engole,
Corre, pára.
Trabalha,
Corre, pára.
Descansa,
Corre, pára.

Corre, corre, pára.
Corre, pára, corre, pára.
Corre,
Morre,
Pára.

Cris Sousa

poeta

poeta
Píndaro Barreto: rimas
não consigo – as rimas – só as incorretas

do barro – o homem
e voltou ao barro – poeta não morre
somem:
um poeta vai para as estrelas – dorme

minhas idéias foram sendo
homem
andando
correndo
voando

Carol Vitall

Cantar mais que preciso

Dessas coisas sem limite
Canta o poeta a riste
Coisas que ao verso se prendem
Por ser trama e entranha

Não diz o homem cru de terra
Com a boca da despeja
Nem com olhos petrificados
Diz sim o coração
Com a perfeita marcação
Ponto a ponto fraseado
Rasgando garganta afora

Dessas coisas sem limite
Diz o poeta como abortado
Que parí-lo é preciso
Mesmo sangrando o poema

José Torres

Versos de um suicida

A conta, que eu parto já!
Quero saber quanto devo
Ao mundo. Quero pagar,
Pois sei que devo, não nego.

Parto. Sei que sou o eterno
Pagante deste banquete
Conhecido por moderno
Capitalismo burguês.

Pago e deixo pra vocês
A dívida pra rolarem
Como e pra quando quiserem
Os pagantes pratos serem.

Marcelo Arruda

Por cima do literato

Sobre livros, nós
Gemido em cima dos livros
Que falam do natural
Estados naturais e
De uma espécie estranha
Chamada amor.

Philippe Wollney

Medo.

O homem de memória
lembra do laço que se desfez.
Atrás da história
segue com passos vacilantes
pela rota escolhida.
O vestígio ficou para trás.
O agora é resultado de outrora.
Os canais estão abertos...
Chegou à hora de ir embora
novamente pelas ruas provincianas.
Instáveis somos conduzidos
por efeitos produzidos
nas situações cotidianas.

A percepção está aflorada
para não tropeçar nas pedras.
O bem e o mal andam juntos
na natureza, nas ações humanas...
O desespero e a esperança...
O desespero queimou num lugar...
Sua fumaça subiu para longe...
A esperança passeia pela sala
senta numa cadeira
à mesa ornamentada.
O espelho que reflete
através da janela aberta
um mundo superficial e artificial:
Casas, antenas, postes...
Aquela estrela apagada pela nuvem densa
que se aproxima.

A chuva vem com luzes e sons
para esfriar a noite.
Pensamentos, descobrimentos...
O inimigo nunca se separa de você.
Onde está indo?
O que fazes?
A tempestade vem...
Está levando consigo tudo por onde passa.
Você fica ou vai?
Eu não quero me molhar,
posso ficar resfriado.

Sandro Gonzaga

Flores de chuva

Minha casa não tem porta.
Nem telhado, nem janela.
É sem tranca e sem tramela.
De tão velha, ficou torta.
Comigo ninguém se importa.
Nem mesmo meu bem-querer.
Que espero um dia bater
Nas portas do meu coração.
E entrar com permissão
Na saleta do prazer.

Sou casebre sem parede.
Tranca, retrancas ou teto.
Meu bem é o arquiteto.
Dispenso camas ou rede.
Sou água da sua sede.
O doce acre da uva.
Estrada reta sem curva.
Sou tapera sem biqueira.
Onde em noite de goteira.
Caem no chão flores de chuva.

Sebastiana de Lourdes

Floresta nossa

Floresta nossa que olhais o céu.
Que Amazônica seja o vosso nome.
Preservado seja o nosso reino.
Seja feita a vossa vontade.
Neste resto de terra onde fincais os pés.
O desmate de cada dia vos desfaz hoje.
Perdoais tantas ofensas.
Embora não perdoemos a quem vos tem ofendido.
Não deixeis a lei dos homens cair em tentação.
E que livre todas as árvores e plantas do mal.
Amém.

Sebastiana de Lourdes

[...]

Vida,
Vi-a na via compassante
Passageira sem passos
Estática,
Sem referencial.

Tal como uma foz,
Turbulenta, mas tão igual,
Ao segundo que perdeu-se
No oceano do trivial.

Thiago Albert

Trago sombras/sem corações

Agora engulo sombras.
Para me recuperar desta noite cortante.
Para me cortar nesta noite horripilante.
Noite de lombrigas, longas brigas e lombras.

Noite de medo. Sono que não trouxe
De agonia apagando o fogo.
De ferro furando o olho.
De velhos sorrindo a toa na esquina com algodão doce.

Noite de casas que ganha vida.
Que nasce na rua das porteiras.
Que não cega uma parteira.
Noite que não apara sonho. Não prepara saída.

Noite de sons que não são canções.
De trago que não trago.
Noite que congela lago.
Noite que gera criaturas sem corações.

Vidal de Sousa

Qualho

Tento não coagular os desejos,
Que marmorizam-me faminto,
Que denuncia queijo,
E o cheiro a quilômetros sinto.

Tais cobiças não posso alimentar
Porque nenhuma resposta recebo,
Recibo que tenho de aceitar
Num tchau alegremente acerbo.

Todos os dias tento me controlar
E ainda não consigo quando sou percebido,
Diluindo com um leve machismo no ar
E vendo o que já foi triturado ser incansavelmente dividido.

E piora a cada maçante semana,
Quanto mais qualho mais incontrolável,
A cada despedida a esperança engana,
Torcendo este ser deplorável,
Num sorriso de moinho de cana.

Vidal de Sousa

Resto do meu dia

Alimente-se dos segundos que sobram de meu dia,
Abra as portas da gaiola,
Permita que tua parasita haja sobre mim,
Degrada-me
Que me agrada te ver sorrir,
Suga o desnecessário que é bom pensar que é feliz,
Pisca não,
Lambe até os ossos,
Pois o que é nosso,
...é em segundos!

Vidal de Sousa

Meu lado calado

Sinto uma dor
Que não me dói
Em um tempo indefinido,
Travo uma batalha vã,
Contra ninguém,
Meu velho amigo.
Faço do ódio de não ter raiva
Um sorriso
Por que meu sangue
Ainda congela um calor frio
Por saber,
Que o maior impulso
Da certeza
É a dúvida.
Nas vezes que estou sozinho
Te espero sem nexo
Pois não marquei hora
Nem assinei o teu contrato.

Wendell Nascimento

Barcarola

Ela passava, passos instáveis; ora cravo, ora rosa. A areia quente exalava cheiro da paisagem, um tanto maltratada pelo descaso cotidiano. Tá vendo, filho? O dia tá lindo hoje, um sol bem brilhante... Humm... Umas poucas plantinhas, insignificantes, as coitadas, acenavam sem sucesso. Tudo bem, eles estão ocupados, mas um dia olharão para nós. Ela olhou, logo após tê-las chutado, o chinelinho rodopiou escapulindo. Pára de chutar, bebê! No futuro vai ser bem jogador de futebol. É cedo pra pensar nisso. Realmente, ela não queria perder tempo com devaneios. A espera, bem sabia, ia ser longa.
Ela aparou-se na sombra, acariciou a barriga, murmurava num dialeto infantil, levantava o rosto para a brisa que convidava para o verão. Não, agora não. Ele vai chegar lá, já, já. Vem de longe, o atraso dá pra agüentar. Pára um senhor, muito suado, boné do Corinthians. Quanto é? Vinte e cinco, moça. Tem de todo sabor? Tem de todo sabor. Um de limão. Seu troco, obrigado. Ela pegou sem responder, talvez nem tivesse dado conta. Olhava o povo que ia e vinha por perto. Calma, meu filho, papai já vem.
Ela estava muito desligada. Ansiedade tem dessas coisas. Mordiscava com sensibilidade e avidez o picolé, brilhavam os lábios refletindo a eterna busca da própria língua. Liga. Ligo? É melhor não, ele pode ficar com raiva, não gosta que encha o saco assim. Pega o celular, senta e perde tempo com uns joguinhos. Vai passando um pedacinho da eternidade. Um estalinho a atira de leve à atenção: o que foi? Uma briga lá do outro lado, moça. Melhor não ficar por aqui. Ah, valeu! Obrigada. Já, já vou sair.
Ela sentada olha o mar de gente, sexta-feira, arruma o vestido de flor, quer que não atrapalhe a visão da barriga, talvez querendo a visão do feto. Balbucia mais uns mimos, não se importa com a maré de má sorte dos últimos tempos. Papai já vem, fica quietinho! Não chuta! Olha os seios fartos, as pernas cheias e bem contornadas. Sente-se desejável. Orgulha-se, mas não dá tanta atenção às cantadas típicas daquele local. Tira uma foto com o celular, beijinho para a câmera, vê as nuvens enchendo o céu da tarde. Tá vendo lá? Olha só, aquela nuvem parece um sorvetãooo... Bem grandãooo... Aquele parece um barco, ali um peixinho, nadando no céu, hein, filho? Mais um grupo passa, nada da espera passar. Sem desespero, levantou-se, espreguiçou-se com as mãos na cintura, deu uma volta por perto pra comprar um lanche, pisou na pobre da plantinha outra vez, nem percebeu.
Ela vê o movimento aumentar, gente para lá e para cá. Pena não poder aproveitar esse verão, quando ele chegar, aí sim. Não sentia tédio, contentava-se em observar, as pessoas para um lado e para o outro. Celular descarregou. Porra! E se ele ligar? Acho que não, ele prometeu que vinha, ainda tá cedo, né, filhote? Abre um pacotinho de jujubas, engole umas duas de uma vez e senta num cantinho. Assopra. Ri. Ri para uns dois homens que passam. Um deles percebe, ela disfarça. O rapaz sente algo estranho. Tá passando mal, moça? Não, não, tá tudo bem, brigada... E assopra, morde os lábios num desajeitado sorriso de gratidão, estragado por um espremido e indesejável ai. E um mar de gente cruza, mal liga, quase chuta, como quem chuta as plantinhas amassadas nas frestas das calçadas. Uns dois se assustam, correm. Até uma mulher meio trêmula correr para perto. Assopra. Calma, papai já chega... Ai... Que que ela tem? Eu não sei, eu... Corre, pede ajuda! Ai... Calma, respira fundo, minha senhora. Ai...
Ela assopra com mais força, com mais desespero, exibe um sorriso meio chocho, segura os ais com todas as forças. Um policial chega, não sabe o que fazer. Já uns mais desocupados cercam a cena. Uma gota de lágrima cai, uma de sangue também. As flores do vestido manchadas, murchas, não mais tão vivazes. Ai... Calma, minha senhora! A mulher rasga um pedaço de pano, segura as pernas. O sangue ferve, escorre, uns dois pivetes que saíam do trem começam a rir. Calor... Ai... O policial pede espaço. Ela grita mais alto, já sem segurar, como se visse os zunidos das pessoas. Os dois rapazes dizem ter chamado uma ambulância. Outro trem vai partir, as pessoas se apressam. Uma senhora pede o celular dela. Quem sabe se chamar algum parente... Não consegue. O trem parte, as pessoas evaporam. Ela cava o chão com as unhas. Ai... Força... Um outro passa com um isopor. Alguém compra água, joga no corpo, dá de beber. Bebê. Calma, papai já vem. Sai um trem, chega outro mais. Um grito maior, pra dentro, engolido, engasgado no choro. Um mais sensível chora. Chora a criança, nas mãos da senhora que passava. O cordão, a gente tem que cortar, arranja algo! Arranja! Um arranjo foi feito com um canivete do policial, mais água pra limpar. Três de branco entram na estação, abrem uma maca pra levar a moça até a ambulância. Não! Eu não vou! Me deixa em paz! Ele já vem! Ele quem? Ele já vem. A outra mulher, com as mãos manchadas do sangue por baixo do vestido de flor, deixou escorrer uma lágrima. O policial não sabia o que fazer. O bebê chorava. Calma, papai já vem. Os homens a agarram, uma injeção, ela reluta, puxam o bebê, ela reluta, esperneia. Não! Não! Ela se acalma, aos poucos pára, olha grogue para os curiosos, sorri. Tenta falar enquanto os demais aplaudem a mulher que prestou socorro, ainda muito tensa. Tenta falar enquanto é posta na maca...
Respira...
Calma...
Papai já vem...
Papai...
Já...
...
As pessoas correm, outro trem vem chegando, a areia quente trazida nos pés dos outros exalava o cheiro da paisagem, um tanto maltratada pelo descaso cotidiano. Umas poucas plantinhas, insignificantes, as coitadas, acenavam sem sucesso. Tudo bem, eles estão ocupados, mas um dia olharão para nós. Todos correm, já é hora. Um homem vende água, outro picolé. O policial conversa com a mulher com as mãos sujas de sangue, oferece-se para ajudar na limpeza. Você vem sempre aqui? Claro, é caminho pro trabalho. É mesmo, é? Trabalha onde? Lá na zona leste, perto...
A conversa vai baixando, tornando-se insignificante.
O mar de gente vai e volta.
Tocando o barco.

Wander Shirukaya