01 outubro 2009

Suely S. Araújo e Coletânea "cem poetas sem livros"




SOBRE A ANTOLOGIA CEM POETAS SEM LIVROS
por André Cervinskis


Chegou às mãos uma iniciativa muito interessante que gostaria de comentar aqui no INTERPOÉTICA. É a respeito da antologia CEM POETAS SEM LIVROS, organizada por Cristiano Jerônimo, do Movimento LÍTERA – Movimento pela Edição, Divulgação/distribuição e Consumo dos Livros Pernambucanos, com apoio do Instituto Maximiano Campos (IMC), lançado recentemente.

Não que a iniciativa seja inédita; várias outras antologias contemplaram autores iniciantes, jovens ou não. Numa época de efervescência literária em nosso estado, quando o advento das novas tecnologias (informática) permitiu aos autores lançarem seus livros por selos independentes, através de pequenas tiragens (gráficas rápidas) ou fabricarem livros caseiros, além de divulgarem em blogs ou sites suas produções, essa antologia segue a tendência mais que atual de democratização das letras; isso em relação à divulgação (autores inéditos) e ao acesso, por ter uma quota para distribuição nas bibliotecas públicas ou por conta dos preços acessíveis ao público.

A antologia, como um todo, é uma colcha de retalhos; acham-se nela bons e maus poetas, autores que são revelação e noutros que deveriam seguir outros caminhos, como a prosa ou a ensaística, por exemplo.

O formato dos poemas é livre e branca, em sua maioria. Não há um só soneto ou outra forma de métrica tradicional. A temática é variada, indo desde temas amorosos aos mais triviais, com versos criativos: qualquer amor qualquer/ tipo assim um amor platônico/ ou carnal carnaval carnacaos/ um amor tipo assim love/ um tipo assim amor Xerox/ sexy/ jontex/ um amor tipo assim/ fastfood/ Hollywood/ um amor tipo assim/ típico/ ou atípico/ apático/ ou atávico (Sob o amor, Eugênio Jerônimo).

Noutros poemas, o erotismo aparece de forma explícita, mas não vulgar ou recheada de lugares-comuns. Nesse sentido, é interessante lermos alguns trechos: a moça mostrou as coxas/ mas não mostrou a concha/ - a moça me mostrou a verdade - / só não mostrava a passagem./ a moça era um misto de sim e de não/ à beira da sinfonia do vai-e-vem/ - sem ir nem vir -/ a moça me deixou na mão. (Na mão, Leonardo Santana); Cama de incesto, cesto, susto/ Cama de busto/ Cama de corpos separados/ (...) Cama que suporta lento/ que agüenta tempo/ que ostenta tudo/ que sustenta nada (Camada, Rômulo Alves).

Há autores também que escrevem versos como se estivessem na escola primária; poemas sem lirismo, repletos de clichês: Sou frágil, mas sou azul como Carlos Pena Filho;/ Sou frágil, mas inesquecível como o velho Capiba;/ sou frágil, mas sou forte como Che ou Sandino;/ sou frágil, mas pernambucano como Chico em sua vida. (Sono, Guma); em meu nascer-das-idéias brotam serenos sonhos;/ Serenamente amanheço.../ Vem sereno.../ amanhece comigo./ Vem que em teu nome eu respondo por mim. (Sereno, Giselle Aguiar); Deixa-me dizer que te amo,/ Ainda que não seja verdade./ mas se você não deixar/ continuo a recitar este poema a outro. (Sinismo, Jonatas Castro).

Há também autores que pensam ainda estarem no século XIX, seguindo estilo parnasiano: Embriaguei-me no êxtase das ondas/ e deixei-me flutuar no farfalhar das brumas do inconsciente./ O sol deixou-me dissonante,/ enquanto garças sobrevoavam e devoravam meu fígado/ Por inúmeras eras, mas eu como um titã me regenerava. (Prometeu, Marcos Moura).

Há na antologia, porém, gratas surpresas. Uma delas é Suely Araújo, com seu erotismo desbragado, com claras palavras, mas de um ritmo e figuras de linguagem impressionante, seguindo o curso da prosa poética: Coma-me pelos meus pés, pelos meus anos, pelos meus pêlos e por meus enganos. (...) coma-me pelos lençóis entre sua form. Enquanto lhe permito provocar meu próprio grito, apenas coma-me. (...) Mastigue o meu punho, minhas veias azuladas, meus ossos, minhas almofadas, meus ouvidos, meu carpete, meu absorvente, meu cotonete./ O sal da minha pele doce, o mel que lhe revele (...) Devore meu tesão, minha carne, minha história. Mastigue o meu corpo e engula a minha memória. (Coma-me, Suely Araújo). Adélia Coelho, revelação nos saraus da cidade, como no projeto NÓS PÓS, abre magistralmente o livro, evocando a solidão com versos de fortes metáforas e imagens poéticas: Minha solidão se prolonga/ por todas as folhas desta casa/ Abre-se em cada grão de dia/ onde permaneço deitada/ em busca de sonho.../ (...) Minha solidão é alta,/ é morna, é líquida.../ Jorro seus versos em água pela sala.../ Rastro de sal. Rastro de sal./ Resto de sol. Resto de sol./ Minha solidão é ereta, é firme/ mas é sim impiedosa, cruel;/ por ora tem gosto e tom amargos (De sal e sol, solidão, Adélia Coelho).

Recomendo, sim, a leitura dessa antologia, principalmente para quem deseja traçar um perfil mais consistente da poesia contemporânea em Pernambuco, especialmente, mas não só, dos poetas mais jovens.

ANDRÉ CERVINSKIS é escritor, ensaísta e Mestrando em Lingüística – PROLING-UFPB
acervinskis@yahoo.com

Ensaio retirado do site da INTERPOÉTICA [ http://www.interpoetica.com.br ]

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