01 novembro 2008

Sítio de Santa Luzia.

Ao meu redor é só mato.
É só verde.
É o som de pássaros, grilos, sapos, cigarras...
Ando pela terra...
Sigo tranqüilo
observando as transformações do sítio de Santa Luzia.
Onde, quando menino, brincava, passeava...
Vou sem medo.
Sou neto de Seu Mandu.
Homem da enxada e da semente.
Cabra-macho.
Honesto e valente de mãos e alma calejadas.
Negro que andava com uma faca
e tinha uma espingarda debaixo da cama.

Tem de tudo no sítio:
banana, abacate, manga, jaca...
Margarida, jasmim, angélica, sorriso...
Boi, cavalo, galinha, calango...
Muitos frutos, muitas flores, muitos animais.
As crianças correm de medo a me ver passar.
Aceno com a mão, mas não respondem.
Elas me olham até que eu suma da vista delas.
A insistência do canavial distorce a boniteza do sítio.
Os coqueiros predominam.
Casas pequenas e simples.
Cumprimento o senhor que corta mato com a estrovenga.
Ele responde com alegria.
Sento no banco de coqueiros.
Onde antes sentei com minha estrela para depois...
Ah! Perfeitas lembranças.
Olho para dentro de uma casa,
vejo um senhor desconfiado,
estendo a mão e ele vem ao meu encontro.
Falo que sou neto de Seu Mandu
e conheço Seu Benedito Bezerra,
meu primo de quarto grau.

Há muitos anos, Seu Geraldo,
com um saco cheio de amendoins crus, cozidos e torrados,
percorre o sítio atravessando terras e gerações com uma bicicleta.
Diariamente se escuta sua voz:
“olha o amendoim, faz crescer e namorar.
Moça bonita arruma namorado.
Faz donzelo casar na hora.”
Mas a urbanidade veio
trazendo o conforto-destrutivo,
e num carro bateu nas pernas do vendedor.
Hoje, ele vende amendoim caminhando com dificuldade.

A capela construída com o sangue dos meus antepassados.
O sorriso daquela senhora me comove.
O vestígio que sobrou do pau-brasil.
Alguns olham a rua para ver quem passa.
Os matutos conversam sobre celulares.
A ciranda toca.
A cachaça alegra e entristece.
A poeira se levanta.
Caem tanajuras.
A roça consola.
Pipa, peão, bola de gude, futebol...
O açude jardim lustral,
fonte de água mineral.
Lata d’água na cabeça.
Fogo à lenha.
Luz de candeeiro.
Muito verde.
Cheiro verde.
Verde claro.
Verde escuro.
Verde-vagalume.
Oh! Santa Luzia, se fores mesmo dona deste paraíso,
fazei com que o sítio não sofra ainda mais.
Porque senão o sítio não agüentará tanta maldade.
E, em breve, deixará de ser sítio para ser cidade.

Sandro Gonzaga

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