Num mundo de martírios
O tempo exala sofrimentos ocres
E, de passo em passo,
A desesperança latente, lateja
Como a fome voraz
Que racha estômagos intactos.
As tripas sêcas colam-se, impotentes,
Ante a falta de comida e fezes
Que, como bichos, já rosnaram
Na flatulência de seus espasmos.
O bucho sêco, as pernas sêcas, os braços sêcos
Contracenam com ventres sistosomáticos.
Urubús já se avizinham
E nuvens de moscas festejam o cadáver ambulante,
Que cambaleia na sua agonia desidratada.
Via satélite é menor a dor
Via satélite não se sente odor
E quando o clamor, vão, dos moribundos
Nos enche os ouvidos, a cabeça, a casa, o pulmão
Temos sempre um botão, por opção,
Que, num clique, nos impede
Que nos atinja também o coração.
Paulo dos Anjos
poema retirado de CRÔNICAS D'ALÉM-MAR
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