15 agosto 2011

VIA SATÉLITE (não se sente odor)

Num mundo de martírios

O tempo exala sofrimentos ocres

E, de passo em passo,

A desesperança latente, lateja

Como a fome voraz

Que racha estômagos intactos.

As tripas sêcas colam-se, impotentes,

Ante a falta de comida e fezes

Que, como bichos, já rosnaram

Na flatulência de seus espasmos.

O bucho sêco, as pernas sêcas, os braços sêcos

Contracenam com ventres sistosomáticos.

Urubús já se avizinham

E nuvens de moscas festejam o cadáver ambulante,

Que cambaleia na sua agonia desidratada.

Via satélite é menor a dor

Via satélite não se sente odor

E quando o clamor, vão, dos moribundos

Nos enche os ouvidos, a cabeça, a casa, o pulmão

Temos sempre um botão, por opção,

Que, num clique, nos impede

Que nos atinja também o coração.


Paulo dos Anjos
poema retirado de CRÔNICAS D'ALÉM-MAR

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