09 fevereiro 2011

Escritor vs Muriçocas, parte II

Num sei o que há com as segundas-feira mas me sufoca o colarinho em ver que tive um dia tão monótono e não fiz nada que mudasse o giro do mundo. Apenas acordei atrasado, passei no trabalho, fui pro computador, andei pelo centro da cidade pra resolver pequenos terremotos, passei na casa da minha mãe que acompanha a Folha de Pernambuco o Bandeira 2 diariamente pra ver se não eu estou lá na página policial dado como morto, comei, falei besteiras, passei na casa da turma, algumas cervejas e a mesma ladainha de sempre: mulheres, despedidas, ônibus de volta pra casa, casa, sono, sonhos.

***

Antes de chegar perambulei calmamente mais temendo a assaltados ou sismas, nas ruas do centro da cidade, já tarde, os olhos tristes amarelados do postes guiando-me e minha sombra carregando os rascunhos do muro desaparecendo de tanta propaganda. Como mudei de endereço; quer dizer, mudei tudo em mim, barba, cabelo, endereço, jeito, idioma, atitude, olhos, beijo, sexo, mudei tudo de lugar para ver se meu habitar ganhava novos ares e está ganhando. Percebi que só mudar os moveis de lugar ou jogar algumas coisas que a casa fica mais limpa e espaçosa.

***

Chegando na casa nova os dois cachorros que moram comigo e mais um cara, me recepcionaram, antes, era uma família inteira, hoje são apenas dois cães fervendo de emoção dentro dessa casa vazia.

***

Brinquei um pouco com os dois e a preocupação já latejava – vai ser uma longa noite. Como sai de casa apenas levando um dúzia de calças, alguns livros e discos, três pares de sapato, um lençol, um relógio e uma mala. Não tinha como transportar mais nada, faltava uma coisa fundamental que era um ventilador e o resto de tudo o que possui nesta vida queimei no esquecimento da memória.

***

Noite alta, tento ler, o tédio cresce entre os campos mudos dessa quarto, o vazio, a solidão, o esquecimento e a falta de habito de visitar outras memórias.

***

Quando elas percebem que estou triste e muito de dentro mim, aproveitam a frágil e cega situação e se organizam pra fazer a festa na minha depressão. E tome mordida e tome tapa pra se derrubo seu ataque massivo. Caço muriçocas com os olhos, mas, apenas escuto os risinhos de suas minusculas asas. Assim foram as primeiras semanas nesta casa. Voava pela madrugada, pensamentos, diálogos comigo mesmo em voz alta e algumas poesias recitadas pra ninguém ouvir. Tentava matar o tempo seja lá como fosse. Mas eu só conseguia dormir às 6h da manhã, era à hora em que elas se cansavam e iam pra suas malocas. O sono durava muito pouco, apenas 1h. No domingo eu me apresentava com um aspecto cansando, olheiras como uma bacia d'águas nos meus olhos, bocejos, mais bocejos, a engrenagem da mente cada vez mais parando de circular. E as danadinhas já ansiosas para mais uma noite de inquietação e sangue.

***

Andei louco por dentro de casa, pois, não estava mais suportando o aperreio que as muriçocas me causavam, mosquitos do inferno, como fantasmas que atormentam as casas para que possam ter mais privacidade – como é que um homem bem dorme mal? Andando de um canto a outro e vigiado cada voo delas fiquei a perguntar isso varias vezes.

***

Mexendo nas coisas da minha nova residência encontrei num quarto abandonado um ventilador, triste, coberto de poeira, esquecido e mal tratado semelhante a mim nesse dia. Dei uma limpada e fui ver qual era seu problema. Detectei numa fração de segundos com o olho a fio que só eram alguns fios desencontrados. Nada que um estilete e uma fita isolante não resolva – enquanto isso as muriçocas já beiçavam minhas pernas – rezei pra tudo quanto é Santo pra que isso desse certo. Quando pluguei a tomada no interruptor. Nossa. Vu-ala. Gênio. Fabuloso. Funciona. Caros amigos e amigas, conhecidos e conhecidas, pessoas comuns e extraterrestres, futuras namoradas e inimigos de briga, confesso uma coisa a vocês. Eu nunca sentirá uma alegria tão insignificante como essa. É duro. Viver num país mediócre como esse onde somos abençoados por dificuldades. As minhas dificuldades são baseadas nessas histórias que há um bom tempo vocês leem ou não. Mas. Nunca realmente senti feliz em vê-lo ali girando e soprando flocos e mais flocos de poeira. Espelhei nesse objeto velho e esquecido e por causa de um problema ninguém o quis, mesmo assim, ele me mostra o quanto ele estar disposto a dar um minuto de sossego na minha vida já que tudo me incomoda.

***

Cai no colchão me lágrimas, chorei muito, durante uns 20 minutos e senti o vento empoeirado do ventilador sujo tanger minhas lágrimas, pra que não caíssem em mim, pude ir além do silêncio, da dor, da melancolia, do tédio e do mal humor, sentir abraçado por aquele eletrodoméstico funcionar a todo custo pra mim.

***

Depois disso comecei a zombar das muriçocas – olha bando porra, nunca mais vocês vão morder o negão aqui, olha, vão ficar com fome, vão ficar fome, vão ficar com fome – depois o ventilador deu um teco e fiquei logo preocupado pois, minha alegria sempre foi pouca, quando vi o danadinho estava só tentando esboçar um sorriso de satisfação em me servir e ficou num tec-tec-tec sempre quando terminava o curso da esquerda.

***

Fiquei deitado no escuro, coberto como um pacote, finalmente, paz. O ventilador foi me ninando. Até que adormeci como há muito tempo não fazia. O mais emocionante é que de manhã ele ainda estava lá.

--
Aldemir Sukho

Nenhum comentário: